Mais do que permitir o mapeamento de fatos ocorridos no ambiente familiar que impactem o ambiente empresarial, a governança corporativa pode permitir que o risco atrelado a estes fatos seja controlável.
O anúncio do divórcio bilionário de Jeff Bezos e MacKenzie Bezos na última quarta-feira (09 de janeiro de 2019), apesar de aparentemente amistoso, abre uma janela no imaginário de muitos empresários dos Estados Unidos e do mundo, não somente sobre a divisão dos bens, mas também do relacionamento entre família e a empresa.
Em muitos casos, um pacto antenupcial, que é um contrato formal entre os noivos no qual, em momento anterior ao casamento, regulamentam as questões patrimoniais, já não é factível para mitigar eventuais problemas entre família e empresa, pois tal pacto não foi pensado em momento oportuno pelo casal. Contudo, nem tudo está perdido e as famílias podem recorrer à governança corporativa para reduzir possíveis atritos e futuros problemas.
Independente do caso concreto do homem considerado “o mais rico do mundo”, o fato é que o relacionamento entre empresa e família é aspecto fulcral para a sustentabilidade dos negócios em qualquer país e para qualquer família empresária. Em um planejamento de governança corporativa envolvendo a família, aspectos patrimoniais e políticos da empresa (poder de voto e controle, por exemplo), podem ser delineados.
Quando a família é numerosa, quando há muitos membros não acionistas, ou quando um pacto antenupcial entre o casal que detém a maior parte do patrimônio não é mais factível, os instrumentos mais utilizados em termos de governança corporativa são: o Conselho de Família e o Acordo de Família.
Sociedades familiares devem considerar a implantação deste conselho de família, voltado para a discussão de assuntos familiares e a organização das expectativas em relação à organização, tais como limites entre interesses familiares e empresariais, planejamento de sucessão, transmissão de bens e herança; visão da organização como fator de agregação e continuidade da família.
Ao conselho caberá determinar regras básicas de convivência entre os membros da família e entre estes e a empresa, entre elas estará a política que define como os membros da família podem se relacionar com a empresa, estabelecida de maneira formal, por meio de um acordo de família.
O acordo de família deve definir as expectativas da família em relação à empresa e também o relacionamento dos membros da família com a empresa, sua diretoria, seu conselho de administração, bem como pode definir o relacionamento dos membros acionistas da família entre si.
Diversos temas devem ser abordados no acordo de família, tais como o compromisso do membro da família com sua preparação e educação para entender a empresa, a forma como os membros da família se farão representar junto à empresa e no conselho de administração, seu grau de envolvimento com o dia a dia da empresa, as políticas em relação a investimentos de membros acionistas em outras empresas, a política de remuneração de acionistas e de negociação de ações entre os membros da família e externos, os planos de sucessão, bem como declarações de expectativas, de responsabilidade socioambiental e de princípios éticos e valores que a família deve seguir.
É importante notar que o conselho de família pode conduzir tarefas de cunho social, filantrópico, cultural, educativo, recreativos, esportivos, etc. que fortaleçam os laços e a identidade da família, mas que também proteja a família de eventual exposição em casos de problemas futuros. Desta forma, a governança corporativa pode inserir importantes regras entre as esferas do negócio e da família dos empresários, para que vários fatos, como um divórcio, já sejam mapeados.
Assim, mais do que permitir o mapeamento de fatos ocorridos no ambiente familiar que impactem o ambiente empresarial, a governança corporativa pode permitir que o risco atrelado a estes fatos seja controlável e um impacto patrimonial já possa ser previsto, facilitando sua gestão ao longo do tempo caso um fato relevante venha efetivamente acontecer.
Fonte: Administradores.com, 29 de janeiro de 2019.
Por: Rafael Gonçalves de Albuquerque — Advogado especialista em Governança Corporativa do BNZ Advogados e Conselheiro de Administração certificado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).