Em tempos de tensão e insegurança extremas como os que temos vivido nas últimas semanas com a pandemia da Covid-19 que se abate sobre o planeta, frequentemente nos sentimos confusos sobre o que fazer e até sobre o que esperar do futuro. Sentimos angústia diante do perigo iminente, o que é ampliado pela aparente ausência de lideranças capazes de nos unir, inspirar e guiar de forma corajosa e responsável na turbulência.
Em momentos como esses, acreditamos ser importante revisitar eventos passados e extrair deles lições de como agir. Nesse processo, invariavelmente encontramos inspiração para exercer a liderança positiva que a situação exige de cada um de nós.
A história, como sempre, é uma grande aliada. E como diria o escritor norte-americano, Mark Twain: “Ela nunca se repete, mas frequentemente rima”. E ao rimar, nos oferece valiosas perspectivas sobre como outras pessoas, no passado, enfrentaram desafios inimagináveis. Com esse objetivo em mente, escolhemos refletir sobre os feitos de três indivíduos; três pessoas comuns e provavelmente fadadas ao anonimato, mas que, movidas pelas adversidades de seus contextos, souberam se tornar líderes de seu tempo para então realizar feitos igualmente inimagináveis.
Ernest Henry Shackleton
Ernest Shackleton foi um explorador polar que liderou três expedições britânicas à Antártica, tornando-se uma das principais figuras do período conhecido como Idade Heroica da Exploração. Em janeiro de 1915, durante a terceira dessas expedições, seu navio Endurance acabou preso no gelo no mar de Weddel. Mais tarde, em outubro daquele mesmo ano, o Endurance acabaria esmagado pela pressão dos blocos de gelo, deixando Shackleton e sua tripulação de 27 homens a milhares de quilômetros da civilização e sem qualquer meio de comunicação com o mundo exterior. Ao inventariar o que lhe sobrara após o naufrágio do navio, o Comandante de 41 anos contabilizou três botes salva-vidas e um estoque apenas razoável de alimentos enlatados.
Mas Shackleton não se abalou. Primeiro, tratou de organizar sua equipe que durante seis longos meses ficaria à deriva em banquisas de gelo que rumavam ao norte. Apenas em abril de 1916 a tripulação do Endurance encontraria abrigo na Ilha Elefante. No livro “Sul: A História da Última Expedição”, publicado em 1920, o veterano explorador relata várias das iniciativas em que se apoiou para conseguir manter seu grupo unido e minimamente motivado durante a permanência no Polo Sul. Seu primeiro passo foi traçar um objetivo claro e inegociável para si e para seu grupo: retornar em segurança para casa. Esse objetivo foi, na sequência, compartilhado com todos, acompanhado de um plano detalhado de ação que não minimizava os desafios e riscos de sua execução. “Máxima transparência!” era seu mantra.
O comandante soube também conquistar o respeito de seus homens no dia a dia, mostrando-se presente e tendo uma atitude “mão na massa”. Mesmo nos momentos mais difíceis, Shackleton sempre se manteve respeitoso com todos, valorizando gestos simples que ajudassem a transmitir empatia a cada tripulante e que ajudassem a criar um ambiente de colaboração e camaradagem.
Mas a saga de Shackleton e de seus homens ainda não havia terminado. Da Ilha Elefante, Shackleton e mais cinco de seus homens seguiram num pequeno barco até a Georgia do Sul, numa travessia de 1.300 quilômetros pelo pior pedaço de mar que existe, realizando assim um dos maiores feitos náuticos de todos os tempos. Da Geórgia do Sul, o comandante tentou resgatar os homens que haviam ficado na Ilha Elefante, mas não conseguiu se aproximar devido ao congelamento do mar. Rumou então para Punta Arenas no Chile e conseguiu ajuda do rebocador Yelcho para, em agosto de 1916, finalmente cumprir seu objetivo de resgatar toda sua tripulação.
Winston Leonard Spencer-Churchill
Winston Churchill teve papel decisivo no andamento da Segunda Guerra Mundial, construindo uma forte defesa na Grã-Bretanha, o que evitou a invasão pelo exército da Alemanha nazista. Ganhou prestígio mundial, fez alianças e traçou estratégias militares que foram fundamentais para a vitória dos aliados contra os alemães.
Churchill havia lido “Mein Kampf” e, ao contrário da maioria de seus contemporâneos que consideravam Hitler apenas um aventureiro, levou a sério suas ameaças. Enquanto a maioria pregava soluções baseadas na diplomacia tradicional, Churchill soube enxergar melhor a realidade, preparando o Reino Unido para um inevitável ataque nazista.
O papel de liderança exercido por Churchill neste momento de vida ou morte foi crucial para a vitória britânica e, a seu tempo, de todas as forças aliadas. Foi graças à sua leitura de um “cenário completo” e de sua atenção aos detalhes que a população de Londres e o exército local conseguiram se preparar para a Segunda Guerra Mundial.
Além disso, ao longo de todo o conflito Churchill personificou o entusiasmo — sem jamais apelar para a retórica vazia. Sua confiança era contagiante e sua determinação, inspiradora. Passados quase 80 anos, o discurso no qual declarou que “nós nunca nos renderemos” preserva até hoje sua capacidade de emocionar e inspirar.
Rudolph William Louis Giuliani III
Rudolph Giuliani conquistou reconhecimento internacional depois de sua gestão como prefeito de Nova Iorque durante os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Nós dois acompanhamos o desenrolar dessa crise – e da forma como Giuliani liderou a cidade na sua reação — de muito perto, já que vivíamos com nossas famílias em Nova Iorque e trabalhávamos em Manhattan. Qualquer que seja a opinião pessoal que tivéssemos ou que possamos ter hoje do Sr. Giuliani, não podemos deixar de reconhecer seu papel crucial como líder desde os primeiros momentos que se sucederam aos ataques.
Segundo o próprio Giuliani, “não havia nada planejado para uma coisa dessas. Aquilo superava tudo o que havíamos vivenciado até aquele momento, mas alguém teria de fazer alguma coisa, e esse alguém era eu.” Quando se deu conta do papel que lhe cabia, o pânico já havia se alastrado, porém Giuliani lembrou-se de um conselho que lhe dera seu pai: “Numa casa em chamas, só quem mantiver a calma conseguirá achar a saída.”
Quando não sabia o que fazer, buscava inspiração em quem já havia passado por algo semelhante. Lembrou-se então da biografia de Winston Churchill que tinha em casa e dedicou-se a analisar o capítulo que tratava do bombardeio alemão sobre a população londrina durante a Segunda Guerra Mundial. “Se os ingleses foram capazes de suportar essa situação durante meses, nós também poderemos suportar a nossa.” Para Giuliani, o segredo estava em transmitir às pessoas “que o ser humano tem uma capacidade quase infinita de superação”. Para isso, “era preciso ser transparente e ágil na informação ao público”. Giuliani logo percebeu que quando as coisas são bem feitas, as pessoas prontamente reerguem a cabeça e se mobilizam para seguir a liderança competente.
O Poder da Liderança Competente
O livro Forged in Crisis – The Power of Courageous Leadershop in Turbulent Times, de Nancy Koehn, analisa histórias de outros líderes também colocados a prova em momentos de extrema adversidade. São relatos igualmente emocionantes, de feitos extraordinários liderados por pessoas comuns, de personalidades distintas e que testemunharam diferentes momentos da história. A única conexão óbvia entre essas pessoas é que sua liderança não foi inata. Invariavelmente, esses líderes extraordinários foram forjados na coragem de responder ao chamado das suas próprias circunstâncias.
Segundo Koehn, há também aprendizados relevantes que resultam da conduta de grandes líderes em momentos de extrema adversidade, dentre as quais destacamos:
· A habilidade de enxergar a situação por completo e de reconhecer as complexidades inerentes a uma crise é uma das qualidades mais fundamentais de líderes capazes de navegar mares revoltos;
· Quanto maior a adversidade, maiores os riscos envolvidos em cada decisão, em cada movimento. Líderes competentes sabem se valer do tempo e da capacidade de ouvir, debater e refletir, antes da tomada de decisões importantes. Enquanto a maioria das pessoas cobrará por ações imediatas e muitas vezes radicais, esses indivíduos sabem que há momentos em que o melhor a fazer é exatamente nada. Ficar quieto e esperar até que as emoções cedam lugar à razão;
· Para manter foco e direção durante momentos de forte turbulência é preciso que se tenha estabelecido um objetivo maior; algo nobre o suficiente para unir e inspirar. Apoiados na percepção de alta dignidade de suas missões, esses líderes encontram a convicção para se manterem motivados e comprometidos com o que, muitas vezes, parecerá impossível realizar; e
· O líder competente é humano. Isso provavelmente soa como um cliché, mas se olharmos cuidadosamente para cada feito admirável não será difícil perceber que seus líderes nunca perderam sua condição humana. Sentiram-se confusos e inseguros; por vezes tiveram dificuldades em articular sua visão e invariavelmente duvidaram da sua capacidade de calçar os sapatos que a vida lhes reservara. O que os diferenciou dos demais foi a opção feita por não desistir, mesmo quando uma saída já não parecia viável. Esses indivíduos souberam seguir em frente, sempre, guiados pela maravilhosa capacidade transformadora de sua própria humanidade.
Por
Corrado Varoli, Sócio-Fundador e CEO da G5 Partners
Levindo Coelho Santos, Sócio-Sênior da G5 Partners
Link oficial: https://g5partners.com/insights/lideranca-em-tempos-de-crise/
*Publicado originalmente em março/20