Superar conflitos e investir na profissionalização

O ritual de passagem para abrir o controle exige várias etapas e muito cuidado na transição.

Maioria esmagadora no conjunto de empresas brasileiras, as organizações com controle familiar também são campeãs em descontinuidade. Segundo estudo da consultoria Hõft-Bernhoeft & Teixeira. especializada em sucessões familiares, 67% dessas companhias não sobrevivem à passagem da primeira para a segunda geração e, das remanescentes, 86% não chegam à terceira. Os comandantes das empresas familiares ainda costumam olhar para seus filhos como herdeiros naturais que lhes devem obediência. Delegam a eles papéis secundários enquanto adiam o encaminhamento da sucessão. Com isso, alimentam conflitos que acabarão levando à divisão do patrimônio familiar e ao fim da empresa original.

As que conseguem atravessar esse funil e levar adiante os sonhos de seus fundadores têm um traço em comum: souberam contornar os conflitos familiares investindo na profissionalização da gestão e na implantação de práticas de governança. E quase sempre mudam de patamar, tornando-se mais sólidas — pesquisa da PwC aponta que, das 300 maiores empresas brasileiras, 256 são familiares.

“Nos últimos anos, um número cada vez maior de empresas familiares vem se preparando para essa transição com a ajuda de gestores e conselheiros externos”, aponta o consultor Wagner Teixeira, da Hõft-Bernhoeft & Teixeira. Hoje já é comum donos de empresas familiares na faixa dos 50 anos demonstrarem preocupação com a continuidade da empresa e aderirem à formação de conselhos para coordenar esse processo.

“Normalmente eles nos procuram depois de discutir o assunto internamente e chegar a um consenso”, diz. Cada empresa exige uma abordagem especial, num trabalho que pode levar alguns anos para se completar, dividido em seis etapas.

A primeira fase, explica, é a da instalação de um conselho de administração composto apenas por sócios e familiares e tem um caráter apenas informativo e educativo. Na segunda, o conselho ganha a presença de gestores não sócios ou de prestadores de serviço de confiança e começa a separar os temas família, patrimônio e empresa. Na terceira, conselheiros independentes são convidados, o fluxo de informações financeiras e estratégicas passa a ser mais estruturado e se estabelece um calendário formal de reuniões, pautas e atas. Na quarta etapa, criam-se fóruns específicos e o conselho de administração ganha formalidade jurídica e os relatórios passam a ser mais detalhados e transparentes. Na quinta, o conselho já está bem atuante e estratégico, o fluxo de informações para sócios e acionistas está sistematizado, há uma transparência maior para o mercado e planeja-se a sucessão e a definição dos papéis de cada sócio. A última fase dá à empresa o caráter de uma sociedade aberta, embora ela não o seja: o conselho de administração segue as regras do mercado, interage com conselhos de família e de sócios estruturados e monitora os processos de sucessão e continuidade empresarial. O ideal é que o conselho de administração tenha um número ímpar, com no mínimo cinco e no máximo nove integrantes.

A instituição dessas três instâncias — os conselhos de administração, de família e de sócios — é que dará o equilíbrio adequado necessário para que a empresa se perpetue sem perder os valores familiares, afirma Teixeira.

O conselho de família irá manter todos os integrados informados sobre a empresa, planejar a educação da futura geração de acionistas, identificar talentos entre os herdeiros e decidir sobre a transmissão do controle, transações acionárias e políticas de dividendos. O conselho societário, com membros escolhidos também em assembleia da família, garante o poder de decisão dos controladores ao votar em bloco na assembleia de acionistas e estabelece as diretrizes para o conselho de administração — além de indicar seus representantes para o órgão. “Por meio desse canal formal, essas diretrizes chegam à diretoria executiva, permitindo à família controladora influenciar na perpetuação do seu patrimônio, realizando um trabalho invisível que resultará em ganhos tangíveis”, explica Teixeira.

O investimento nas melhores práticas de governança também leva a um desempenho muito melhor das companhias, destaca o consultor, que cita dois casos exemplares mostrando a evolução obtida ao longo dos dez anos subsequentes à profissionalização da gestão e implantação de conselhos. No primeiro caso, de uma empresa de agronegócio paulista com gestão centralizada em seis núcleos societários de irmãos descendentes do fundador, a Hõft-Bemhoeft & Teixeira desenvolveu um programa de formação de sócios, para preparar os membros da família em seu papel de acionistas, e criou conselhos de administração e de família.

A gestão está dividida em dois grupos de negócios principais e mais quatro unidades de negócio, administrados por profissionais com responsabilidades e autonomia bem definidas, que prestam contas ao conselho de administração. Dos 20 membros da terceira geração, quatro são executivos, dois estão no conselho e os demais, de carreiras independentes, participam das reuniões de família, como sócios, que ocorrem de duas a três vezes por ano. Desde então, a empresa se expandiu e ganhou mercado, passando de um faturamento de R$ 250 milhões para R$ 1 bilhão atualmente, com clientes em 83 países.

O segundo caso relatado por Teixeira é de uma empresa do sul do país, numa transição complicada da primeira para a segunda geração, com um fundador de liderança forte e cinco filhos que em sua maioria já ocupavam cargos executivos. O primeiro passo foi debater e formalizar um protocolo familiar societário, a partir do qual se delineou uma estrutura de governança, com um conselho de administração composto de executivos familiares e independentes e um conselho de família reunindo o casal fundador e seus filhos. Hoje é uma empresa de capital aberto controlada por uma holding familiar, e a liderança da operação é de um executivo da segunda geração. A receita do grupo, que era de R$ 2,5 bilhões dez anos atrás, saltou para R$ 6 bilhões.

Muitas vezes, a necessidade de reestruturar a companhia familiar para deixá-la mais competitiva vem antes da decisão de preparar a sucessão dos fundadores. Nesses casos, a solução também passa pela constituição de um conselho de administração para reforçar o foco no desempenho, estabelecendo um relacionamento mais neutro e profissional entre gestores e herdeiros. “Essa cerimônia faz muito bem às empresas familiares, pois os parentes têm dificuldade em definir responsabilidades e cobrar resultados uns dos outros”, nota Elismar Álvares, coordenadora do curso de conselheiros da Fundação Dom Cabral.

Às vezes, consultores encarregados de preparar a sucessão em empresas familiares criam laços de confiança tão fortes com os controladores que acabam contratados para gerir as companhias, depois de reestruturá-las. Foi o que aconteceu como executivo Wilson Otero, que oito anos atrás iniciou uma carreira paralela como conselheiro que o acabaria levando a criar uma consultoria para atender empresas com dificuldade na transição entre gerações. Na sua missão de maior porte, Otero foi chamado para desenvolver um projeto de governança corporativa na Datora Telecom, que levou três anos e meio para ser completado.

“Os sócios chegaram a entrevistar outros candidatos para assumir o cargo de CEO, mas depois concluíram que eu seria um nome de consenso e me convidaram”, lembra Otero, que sempre atuou na área de telecomunicações como executivo e integrou conselhos de várias empresas e entidades, como o Instituto Nacional do Câncer, a Associação dos Diretores de Vendas do Brasil (ADVB) e o complexo de hotelaria e eventos WTC (World Trade Center). Voltada para o atendimento de nichos de mercado de telefonia, a Datora, sob o comando de Otero desde 2010, foi a primeira empresa brasileira a receber licença da Ana-te’ para a criação de uma operadora móvel virtual, a Porto Seguro Conecta, que oferece serviços customizados aos clientes da seguradora.

Uma alternativa para as empresas familiares se informarem sobre as várias implicações que cercam a sucessão no seu negócio, enquanto amadurecem a decisão de convocar especialistas, é se associar à Family Business Network (FBN), uma rede independente que reúne companhias administradas por familiares em mais de 50 países. No Brasil desde 2000, a FBN organiza palestras e encontros de famílias empresárias em todas as regiões do país e auxilia no desenvolvimento das futuras gerações, com programas específicos para famílias e herdeiros de empresas familiares, dos mais variados portes e segmentos.

Companhias gigantescas, porém, como a Gerdau e a Votorantim, costumam se preparar para o processo sucessório com a ajuda de um numeroso time de consultores, num processo delicado e paciente que consome vários anos. Na Votorantim, o conselho de família criou um programa de desenvolvimento de familiares, no qual os herdeiros ingressam aos 15 anos de idade para uma formação complementar estruturada em três frentes: família, indivíduo e organização. Carlos Ermírio de Moraes, filho de Antonio Ermírio de Moraes, assumiu a presidência do conselho de administração da Vpar e comandou o grupo até sua morte, em 2011. Foi substituído pelo vice-presidente, o primo José Roberto Ermírio de Moraes, filho de José Ermírio de Moraes Filho, sem turbulências, conforme previsto no sistema de governança da corporação.

Na Gerdau, o processo de sucessão foi ainda mais meticuloso, estendendo-se de 2000 a 2006 com o apoio de cinco consultorias internacionais – a McKinsey, as empresas de headhunting Russell Reynolds e Egon Zehnder, o americano John Davis, especialista em empresas familiares, e o chileno Jon Martínez -e a brasileira Hõft-Bernhoeft & Teixeira. O então presidente do grupo, Jorge Gerdau Johannpeter, exigiu um protocolo rigoroso, com cronograma escrito em documento e regras claras para a preparação dos candidatos. A empresa instituiu um conselho executivo e admitiu membros independentes em seu conselho de administração. Depois de avaliações sucessivas, inclusive de profissionais que não faziam parte da família, a disputa se concentrou em dois nomes, os primos André e Claudio Gerdau Johannpeter. O anúncio do vencedor, André, foi feito às vésperas de sua posse como CEO da organização. No mesmo momento, Jorge Gerdau assumiu a presidência do conselho de administração e Claudio se tomou diretor-geral de operações (CCO), o número dois da organização.

Por Luis Maciel

Jornal Valor Econômico – Caderno Governança
Data: 13 de junho de 2013
Local: Jornal Valor Econômico – Caderno Governança

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